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Comentarios sobre artigo dizimo

"Roubará o Homem a Deus?" (Malaquias 3.8):

Um Estudo sobre o Dízimo nos Antigo e Novo Testamentos

ANDREAS J. KÖESTENBERGER e DAVID A. CROTEAU

Southeastern Baptist Theological Seminary

O dizimar, isto é, dar dez porcento de sua renda, é uma obrigação para o crente?1 Este primeiro artigo, de uma série de dois, investiga a questão estudando todas as referências ao dízimo encontradas nas Escrituras. A discussão inicia com as referências ao dízimo em passagens do Antigo Testamento (AT), anteriores à transmissão da Lei Mosaica2 depois em passagens da Lei, nos livros históricos, e nos livros proféticos. A isto segue-se um estudo das três principais passagens do Novo Testamento (NT) concernentes ao dízimo. O artigo conclui que nenhuma destas passagens, do AT ou do NT, podem ser legitimamente usadas para argumentar a favor da continuidade do dizimar no período da nova aliança.

Palavras-chave: dízimar, decimar, dízimo, dízimo levítico, dízimo festivo, dízimos dos pobres, dízimo social, Lei Mosaica, nova aliança, lei e evangelho, Malaquias 3.8, Mateus 23.23, Hebreus 7.

A ameaçadora pergunta "Roubará o Homem a Deus?" tem sido afixada em quadros de aviso, em envelopes de ofertas, e tem sido título de vários sermões, pregada tantas vezes que faz parecer que sua interpretação e aplicação seja direta, inquestionável. É verdade que é um pecado roubar Deus daquilo que Lhe pertence,e claro nós devemos dar nossos dízimos e ofertas. Contudo, os problemas envolvidos são consideravelmente mais complexos do que muitos sermões sobre o assunto pareçam sugerir. A questão se os crentes, nos dias de hoje, devem ou não dar pelo menos dez porcento de sua renda envolve questões tais como continuidade ou descontinuidade entre os dois Testamentos; a que ponto a Lei ainda se aplica aos crentes do período da nova aliança; a relação entre o AT e o NT de maneira geral; e a natureza da revelação progressiva e da história da salvação3.

Ao mesmo tempo em que há acordo em que as leis alimentares do AT e a prática da circuncisão não são transmitidas à era do NT, há menos consenso sobre outras práticas do AT, tais como o dízimo. Em uma tentativa de dar um veredito sobre a questão se, nos dias de hoje, todos os crentes do NT devem ou não dar dez porcento de sua renda, iremos estudar todas as passagens relevantes ao dízimo4 nos AT e NT, e avaliar a aplicabilidade desta prática aos crentes neotestamentários, à luz da amplitude dos temas mencionados acima. Também discutiremos princípios neotestamentários associados ao doar, que estão em vigor que envolvam ou não doar dez porcento da renda de alguém.

O Dízimo no Antigo Testamento

Por convêniencia, iremos dividir a discussão sobre dízimo no AT em três seções: o dízimo antes da Lei; o dízimo na Lei, incluindo a descrição da prática; e o dízimo após a entrega da Lei, nos poucos textos que mencionam a prática. Logo do início, devemos notar que uma discussão abrangente sobre o dízimo, na Lei, seria incompleta sem definir sua prática no contexto da adoração israelita a Javé. Uma vez que a prática ocorria dentro do contexto geral da aoração como um todo5, limitaremos a discussão às passagens que explicitamente referem-se ao dízimo, reconhecendo o contexto geral em que a prática ocorre.

O Dízimo antes da Lei

Três conjuntos de textos tem sido apresentados para apoiar a aplicabilidade do dízimo à era neotestamentária, circunscritos às práticas de Abel, Abraão, e Jacó. As questões que se apresentam são como a seguir. Primeiramente, o que estes textos descrevem é a "prática" do dízimo antes da Lei? Em segundo lugar, a presença ou prática do dízimo anterior à Lei necessariamente implica que a prática deva continuar? Finalmente, haveria alguma prática similar ao dízimo antes da Lei e que posteriormente foi incorporada à esta, e que possa servir de ponto de comparação? Nosso entendimento, na presente seção, é que: Os textos que discutem o dízimo antes da Lei não provam, nem comprovam o dízimo como uma prática contínua e sistemática, mas como uma prática fortuita, até mesmo uma forma excepcional de dar.

Abel

Por que Deus aceitou o sacrifício de Abel, mas não o de Caim? Esta questão tem sido respondida de inúmeras formas 6: (1) Abel sacrificou um animal ao invés de outro tipo de oferta;7 (2) A qualidade do sacrifício de Caim foi inferior;8 (3) O sacrifício de Caim foi inaceitaval por causa da deficiência do caráter do ofertante;9 (4) Caim não foi objeto da soberana eleição de Deus;10 (5) O sacrifício de Abel resultou do ato de dizimar. Devemos considerar que o NT adiciona que o sacrifício de Abel foi feito "na fé", o de Caim, não o foi (Hb 11.4).

A base para o entendimento que o sacrifício de Abel foi um dízimo fundamenta-se na tradução da Septuaginta11 de Gn 4.7, sugerindo que o sacrifício de Caim não foi aceito por este não ter "dividido corretamente"12. Todavia há diversos desafios àqueles que propõem este ponto de vista. Não apenas eles precisam argumentar como que esta versão de Gn 4.7 da LXX é anterior ao texto Massorético (TM), mas eles também devem mostrar como que esta leitura conforma-se com Hb 11.4, que reflete o TM. Todavia, até agora ninguém tem feito uma demonstração convincente de nenhuma destas questões, e muitos dos eruditos corretamente optam neste ponto em favor do texto Massorético ao invés da LXX 13. De qualquer forma, "nós não podemos deduzir da narrativa de Caim e Abel qe o dízimo" era um requisito de Deus naquele tempo14.

Abrãao

Abraão (Abrão) erigiu um altar para Deus em Gn 13.18. O contexto mostra que Abraão o fez em resposta à promessa que Deus lhe fizera em Gn 13.14-17. Embora o dízimo não seja mencionado nesta passagem, a próxima vez em que Abraão é visto adorando a Deus de forma semelhante, ali o dízimo é mencionado. Genesis 14.20 diz que Abraão "deu a Melquizedeque o dízimo"15. Estaria aqui a gênese do dízimo anterior à Lei? Genesis 14 nada diz a respeito de um método ou padrão que tenha se tornado parte da liturgia da adoração de Abraão a Deus16. O restante da narrativa acerca da vida de Abraão não mais menciona o dízimo17. De fato alguns fatores argumentam contra a ideia de que aqui haja referência a uma sistemática do dízimo.

Em primeiro lugar, a oferta de Gn 14.20 foi entregue a Melquizedeque, o sacerdote. Se Abraão desse o dízimo de forma consistente, que recebeu os demais dízimos? Seria Melquisedeque um sacerdote intinerante, coletando dízimos em favor de Deus18? Em segundo lugar, o mesmo verso diz que Abraão deu o dízimo de "tudo". Hebreus 7.4 refere-se ao fato que Abraão deu a décima parte dos "despojos", não que tenha continuamente dado um décimo de todas as suas posses para o resto da vida. A passagem não indica que Abraão continuamente houvesse dado um décimo de seus lucros19. O complemento "dos despojos" também sugere que este foi um ato fortuito ao invés de um padrão contínuo. Em terceiro lugar, alguns tem argumentado que Abraão estava seguindo a Lei antes mesmo desta ser entregue. Contudo, de acordo com Nm 31.27-29, ao povo era ordenado a separar "um de cada quinhentos [dos despojos]... como porção do SENHOR" e destes deem ao sacerdote como oferta ao SENHOR. De forma que a porção definida na Lei para os despojos de guerra é diferente daquele que Abraão realmente ofereceu a Melquisedeque em Gn 14. Por esta razão, o argumento que Abraão, em Gn 14, deu o dízimo a Melquisedeque de acordo com a Lei é inválido porque há proporções diferentes do que se deve doar dos despojos.

Para resumir, Abraão deu um décimo de seus despojos20 a Melquisedeque; mas a Lei prescreve um cálculo diferente daquilo que é requerido em caso de vitória21. O argumento que o dízimo fosse consistentemente praticado pelo menos desde Abel em diante, é invalidado aqui neste ponto. A oferta de Abraão não é consistente com aquilo que a Lei requer22. Isto não se constitui uma contradição. Simplesmente, isto demonstra que A oferta de Abraão a Melquisedeque deve ser diferenciada da prescrição da Lei a respeito do dízimo.

Finalmente, ainda existe o argumento do silêncio e este funciona nas duas direções. De um lado, aqueles que dizem que o dízimo nao é mandamento para nosso tempo argumentam que uma vez que o texto não diz que Abraão dizimava continuamente, podemos tomar isto como prima facie e concluir que ele de fato não o fazia. Por outro lado, aqueles que apoiam a noção de que todos os crentes devem dar pelo menos a décima parte de sua renda nos dias de hoje advogam que o texto nada diz se Abraão deixou de dar o dízimo pelo resto de sua vida, daí podemos assumir que ele o fez. Vale notar que este uso do argumento do silêncio a favor do dízimo era comumente usado pelos rabinos judeus. A regra de interpretação destes era que "nada pode ser considerado como existente antes de sua menção pelo texto bíblico"23. Portanto, de acordo com a interpretação rabinica, sendo esta a primeria vez que Abraão, ou qualquer outro personagem bíblico dízimou, então esta prática passa a existir a partir deste momento. O mínimo que podemos dizer a respeito disto é que este deve ter sido, provavelmente, o entendimento desta passagem pelo judaísmo, incluindo o judaismo dos tempos de Cristo.

Por estas razões a presente passagem não provê nenhuma evidência que Abraão tenha dado o dízimo de forma contínua. Davis mantém que, uma vez que nenhuma elaboração é dada a respeito da oferta de Abraão, o dízimo deveria ser uma prática comum24. De fato, o dízimo era uma prática comum, mas a todas as nações daqueles tempos, portanto nenhuma explicação seria necessária25. Abraão nunca foi instruído a dar um décimo de maneira regular, e não há evidencias que o tenha feito novamente26. A sua oferta de um dízimo a Melquisedeque deve, portanto, ser considerada uma "forma voluntária de retribuir pela função sacerdotal exercida por Melquisedeque no episódio e como oferta de agradecimento a Deus pelo sucesso na guerra que travou"27. O contexto de Gn 14.20-24 parece assumir que Abraão possuia o direito de "manter para si os despojos"28. "Sem dúvidas, se o dízimo de Abraão servir de alguma forma para modelo aos Cristãos, será por prover apoio apenas para dízimos ocasionais de fontes de renda extraordinárias 29"

Jacó

O caso de Jacó, de maneira similar, como será demonstrado, não dá suporte à alegação de que o dízimo é de relevância continuada. Pelo contrário suporta a evidêcia que a existência de uma sistemática de dízimo como sendo anterior a Lei aponta na direção contrária30.

Em Gn 28.20-22, Jacó prometa dar a Deus o dízimo. O contexto, contudo, parece indicar que o voto de Jacó demonstrou sua falta de confiança na Palavra de Deus31. Jacó pousou à noite em seu caminho para Harã (Gn 28.10). Enquanto dormia ele teve um sonho no qual Deus prometeu seis coisas (Gn 28.13-15): (1) dar a Jacó a terra na qual ele deitava; (2) que sua descendência será grande em numero; (3) que seus descendentes abençoariam as famílias da terra; (4) que Deus estaria com Jacó; (5) que Deus manteria Jacó em segurança em suas jornadas; (6) que Deus o traria de volta à terra onde agora repousava. Ao final, Deus reassegura a Jacó que estas promessas iriam se cumprir e que Ele não o abandonaria.

Jacó, contudo, responde a tudo isso com medo, e ergue um altar nomeando o lugar "Betel". O voto de Jacó é revelador de um voto condicional. "Se" Deus fizer o que ele pedir, "então" ele fará assim e assim. As condições colocadas sobre Deus em Gn 28.20-22 são as seguintes: (1) SE Deus for com Jacó; (2) SE Deus o guardar na viagem; (3) SE Deus lhe der o pão para comer e roupa para vestir; e (4) SE Deus lhe fizer retornar em paz à casa de seu pai. Deus já lhe havia prometido cumprir três destas quatro condições, e o cumprimento da quarta parece ser tácito32. A parta do "então"33 do voto de Jacó incluía: (1) ENTÃO o SENHOR será o meu Deus; (2) ENTÃO esta pedra que tenho posto por coluna será a Casa de Deus; e (3) ENTÃO de tudo que me deres certamente darei o dízimo.

Uma vez que as narrativas do AT sirvam de exemplos de fé para todos os crentes (cf. Hb 11), certamente esta não é um daqueles exemplos. O interprete deve ler as narrativas do AT de forma crítica, pois nem todos os textos apresentam os patriarcas ou reis de forma positiva34. Por exemplo, é aceitação comum que, embora Davi (e Salomão) tenham tido muitas esposas, isto nunca foi aprovado por Deus. A poligamia de Davi, portanto, não pode ser tomada como um exemplo positivo. A descrição de uma narrativa histórica não necessariamente indica que as ações ali descritas sejam ações prescritas ou mesmo recomendáveis. Da mesma maneira, a presente narrativa envolvendo Jacó não deve ser lida sugerindo que os cristãos devam imitar o comportamento de Jacó35. Pelo contrário, este ensina que os crentes devem evitar a imaturidade espiritual ou a incredulidade36. O verso Gn 28.22 deveria ser associado com a tentativa de Jacó de "subornar ... de comprar as bênçãos de Deus"37. Jacó também aparece como um hábil negociador (ver Gn 25.29-34; 29.18)38. De fato, Jacó não parece ter se "convertido" na presente passagem39. Primeiro, pela sua reação à Palavra de Deus de terror ou medo e não temor reverente40. Segundo, Jacó demonstra ignorância da presença de Deus em Gn 28.16. Terceiro, esta é a única narrativa onde uma teofania presendicada pelos patriarcas que é respondida com medo. Em quarto lugar, as condições que Jacó estabelece para Deus contradizem sua plena conversão. Finalmente, a sua conversão parece ocorrer somente após este ter pelejado com Deus (Gn 32.24-30), e não em seu sonho registrado em Gn 28.

Jacó cumpriu seu voto? Em nenhum lugar das escrituras há o registro de que Jacó cumpriu o seu voto, dizimando a Deus41. "Nenhum detalhe é dado sobre o porquê Jacó prometeu o dízimo", nem "como este dízimo foi entregue", nem "para quem o dízimo foi entregue"42. Estas questoes se colocam como um enigma para os que advogam a prática do dízimo usando Jacó como exemplo. Conquanto Jacó de fato tenha retornado para Betel ele o fez apenas porque fora ordenado pelo SENHOR (Gn 35.1). Ali Jacó edificou um altar, e derramou libação e azeite, mas nenhuma menção é feita sobre o dízimo. A afirmativa que Jacó apenas agiu na incredulidade ao fazer o seu voto de dar o dízimo, proveem um fraco alicerce para acreditarmos na presença do dízimo antes da Lei43. O que transparece é que Jacó com seu voto ou estava seguindo os passos de Abraão ou tomando emprestada uma prática comum das nações ao seu redor44. Os "SE" de Jacó no seu contrato com Deus, também contradizem ser o dízimo uma lei universal. É duvidoso que Jacó teria colocado condicionantes em algo que ele cresse ser a lei de Deus45.

Conclusão

A evidência do período que antecede a Lei sugere que não estava em ação uma sistemática do dízimo. Nenhuma ordem para o dízimo é registrada, e portanto, a evidência de que o dizimar sistemático tenha existido antes da Lei é escasso, senão, inexistente. Além disso, todos os atos de doar anteriores à Lei são voluntários46. De fato, muitas passagens por todo o AT discutem o ato de doação voluntária47. A doação involuntária existia da mesma forma, por exemplo a taxa de vinte porcento paga ao Egito48. José, o segundo depois do Faraó, recolheu o imposto do quinto por causa da seca que se avizinhava. Este imposto era entregue ao governo egípcio49. A doação voluntária "é dirijida ao SENHOR em atitude de amor e sacrifício", e a doação involuntária "é dirijida a uma entidade nacional para suprir a necessidade do povo"50.

Contudo, uma vez que muito da argumentação baseia-se no argumetno do silêncio, permanece a possibilidade de que o dízimo tenha realmente existido. Isto não se constitui um problema. Outros costumes entre as nações também existiram antes da Lei, e foram incorporados à Lei, mas não foram transportados para a nova aliança, e.g. a circuncisão51. Virtualmente não há controvérsia na Cristandade moderna sobre a necessidade de circuncisão para os cristãos. A circuncisão é registrada como um mandamento de Deus a Abraão e seus descendentes (Gn 17.10-14). A prática foi posteriormente incorporada à Lei em Lv 12.352. Verhoef comentando acerca disso, argumentando que o "costume pré-Mosaico, não transcende a dispensação do Antigo Testamento, tornando-se um elemento universal e atemporal de código moral"53. Portanto, a existência da prática antes da entrega da Lei, ou mesmo posterior a esta não necessariamente prova que foi assim pensada para continuar no período da nova aliança. Portanto, é inadequado afirmar que, uma vez que o ato de dar o dízimo existiu no período que antecede a Lei, este deve continuar a ser praticado pelo povo de Deus em períodos posteriores.

O Dízimo na Lei Mosaica

Há três passagens principais relacionadas ao dízimo na Lei Mosaica: Lv 27.30-33 , Nm 18.21, e Dt 14.22-29. Cada uma destas passagens precisa ser examinada para ver se o mandamento de Deus para os israelitas compreendia um, dois, três ou quatro tipos de dízimos. A chave para identificar quantos tipos separados de dízimos existiam na Lei (isto é, se havia mais de um tipo de dízimo) é a descrição da natureza e propósito do dízimo em sua respectiva passagem54.

O Dízimo Levítico

Na Lei, os levitas posicionavam-se entre Israel e Deus, oferecendo sacrifícios diários pelo pecado. Números 18.21 e Levítico 27.30-33 declaram que os levitas iriam receber o dízimo como pagamento pelos seus serviços, por levar esta carga de Israel e por não terem parte na herança da terra55. Estes versos não deveriam ser considerados como marcos de introdução deste conceito como novidade na cultura de Israel, mas antes como a codificação de uma "nova expressão para o antigo dízimo praticado no Oriente Próximo imbuído de um significado teológico para a nova entidade política que é Israel"56. Os dízimos tomam forma de animais, de terras, sementes e frutos. Conquanto a terra, semente e frutos possam ser resgatados com dinheiro adicionando-se vinte por cento, os animais não o podem57. Eles compunham uma oferta compulsória58. Estes dízimos era usado para a manutenção dos levitas, que por sua vez também davam a décima parte dos seus dízimos para os sacerdotes.

Se este modelo de dízimo é ainda vinculante nos dias de hoje, seriam os cristãos obrigados a dar um décimo de tudo que produzem? Se alguém possui uma horta, deveria este trazer um de cada dez tomates ou pimenta malagueta que produzir?59 Se não, deveria ele substituir este dízimo acrescentando vinte por cento? Se um cristão for um fazendeiro, deveria ele trazer para a igreja um de cada dez animais e entregá-lo durante a hora da oferta no culto? Estas questões revelam a dificuldade em trazer o dizimar, conforme prescrito aos judeus, para os tempos da nova aliança. Não se pode ignorará-las como absurdas, pelo contrário deve-se tratar com seriedade estas questões. Como bem nota Blomberg, "É de igual importância lembrar da relação particular entre dízimos e ofertas no serviço do templo. Sem uma entidade central para oferta de sacrifícios sangrentos, nos dias de hoje, não se pode simplesmente transportar todos os princípios das ofertas ao santuário de Deus do Antigo Testamento para a igreja neo testamentária!".60

O Dízimo Festivo

Deuteronômio 14.22-27 descreve um segundo "tipo" de dízimo61. Este é distinto daquele descrito em Nm 18.21. Ali, o dízimo era dado aos levitas para manutenção destes, porque estes ministravam por Israel; aqui, aqueles que traziam os dízimos são descritos como participantes deste. Deuteronômio 14.22 e 26 dizem: "Comam o dízimo... na presença do SENHOR". Da mesma forma, o dízimo deuteronômico permanece como propriedade de seu original possuidor62. Esta seção descreve de que maneira as festas de Israel deveriam acontecer. No dia determinado, os israelitas deveriam se dirigir ao lugar determinado pelo SENHOR (Jerusalém) e celebrar os festivais. Eles deveriam trazer este segundo dízimo com eles ou vendê-lo por dinheiro e comprar o que quer que desejassem para comer ("conforme o desejo do coração"). Além disso, os israelitas são instados a compartilhar com os levitas este dízimo festivo. MacArthur denomina isto de "megasena nacional"63. Este não era portanto o dízimo que seria usado para mantimento dos levitas.

O Dízimo do Pobre (ou Dízimo do Bem Estar)

Deuteronômio 14.28-29 descreve outro tipo de dízimo. Este terceiro tipo pode ser distinguido64 do outros dois anteriores pelo fato de que (1) era oferecido a cada três anos; (2) tinha como alvo o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva65. O tipos de dízimos anteriormente mencionados deveriam ser entregues a cada ano ou durante os festivais; já este dízimo era ofertado a cada três anos. Os anteriores eram quase exclusivamente para o sustento dos levitas; este terceiro dízimo não era para os levitas somente66. Se o Dízimo do Pobre substituía o Dízimo Levítico a cada três anos, então como se sustentariam os levitas naquele ano? De igual modo, se o Dízimo do Pobre substituía o Dízimo Festivo a cada três anos, então os israelitas simplesmente ignoravam as festas determinadas para aqueles anos? Tal teoria cria mais problemas que os resolve.

Conclusão

A investigação acima das referências ao dízimo no Pentatêuco levou aos seguintes resultados. Primeiro, aparentemente o dízimo anual dos israelitas ultrapassava 10 porcento de suas rendas, realmente totalizando mais de 20 porcento. O Dízimo Levítico era 10 porcento da renda dos israelitas. O Dízimo Festivo constituía outros 10 porcentos da renda de uma pessoa (ou dos restantes 90 porcentos após o pagamento do Dízimo Levítico), ambos estes dízimos totalizavam 20 (ou 19) porcento da renda de uma pessoa. Finalmente, o Dízimo do Pobre era em média 3 1/3 porcento a cada ano. Tudo isto totaliza cerca de 23 1/3 (ou 22 1/3) porcento do total da renda da pessoa. Havia diferenças entre quem tinha que calcular estes percentuais.[^65] Independente do total, deveria ficar claro que os israelitas davam mais do que 10 porcento.

Em segundo lugar, historicamente falando, o judaísmo por volta do tempo de Cristo entendia o AT como prescrevendo múltiplos dízimos.[^66] Por exemplo (o livro apócrifo), Tobias 1.6-8 indica que o principal personagem, Tobit, pagava três dízimos em separado.[^67] Josefo escreveu a respeito do dízimo que "além dos dois dízimos que eu já o instruí a pagar cada ano, um para os levitas, outro para os festivais, tu deves devotar um terceiro a cada três anos para distribuição de coisas que sejam necessárias às viúvas e crianças órfãs" (Ant. 4.8.22). A explicação clara de Josefo

Footnotes

  1. NOTA DO TRADUTOR (NT): usaremos o termo crente para traduzir christian ao invés de "cristão".

  2. NT: considerando o contexto, usaremos Lei em maiúscula sempre que o autor se referir à Lei Mosaica.

  3. Ver a parte 2 deste artigo. Para uma discussão do dízimo na histórida de igreja, assim como um maior desenvolvimento da argumentação a seguir, ver David A. Croteau, A Biblical and Theological Analysis of Tithing: Toward a Theology of Giving in the New Covenant Era (Ph.D.diss, Southeastern Baptist Theological Seminary, 2005).

  4. Para os propósitos deste artigo, definimos dízimo como a "doação de dez porcento da renda de alguém" (contra Joseph M. Baumgarten, "On the Non-Literal Use of Ma'âśër/Dekatë," JBL 103 [1984]: 245-51). Daí que a questão abordada não é se "devem os crentes do NT doar?" ou mesmo se "devem os crentes do NT doar um percentual fixo de sua renda?" mas se "requer-se de todos os crentes do NT que doem dez porcento (ou mais) de sua renda?"

  5. Ver, por exemplo, Ex 25.1-2; 35.4-10; 21-22; Nm 18.12; Dt 16.17; 1Cr 29.9; 16; Pv 3.9-10;11.24-25; 33.9.

  6. Para uma discussão das possíveis interpretações, ver Richard S. Hess, "Abel", ABD 1.9-10.

  7. Ver Robert S. Candlish, An Exposition of Genesis (Wilmington, DE: Sovereign Grace, 1972), 65. Note também a visão de Scofield na mesma direção (A Bíblia de Referência de Scofield [New York: Oxford, 1909], 11)

  8. Ver Hermann Gunkel, Genesis (trad. M. E. Biddle; Macon, GA: Mercer University Press, 1997), 42-43.

  9. Ver Bruce K. Waltke, "Cain and His Offering", WTJ 48 (1986): 370; Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis (Jerusalem: Magnes, 1961), 1:205; Kenneth A. Mathews, Genesis 1-11.26 (NAC; Nashville: Broadman & Holman, 1996), 267-68; John J. Davis, Paradise to Prison: Studies in Genesis (Grand Rapids: Baker, 1975), 99. Ver os comentários sobre o caráter do sacerdote ao oferecer sacrifício em Lv 8-9, 26; ver também Nm 16.15, 1Sm 26.19, e Is 1.13. Note também que Agostinho, Calvino, e Lutero mantém uma posição similar; ver Jack P. Lewis, "The Offering of Abel (Gn 4.4): A History of Interpretation", JETS 37 (1994): 489, 493.

  10. Ver Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary (trad. J. H. Marks; OTL; Philadelphia: Westminster, 1972), 104.

  11. Ver Stephen Mizell, "The Standard of Giving", Faith and Mission 18/3 (2001):21; Herschel H. Hobbs, The Gospel of Giving (Nashville: Broadman, 1954), 13.

  12. Ver Henry Landsell, The Sacred Tenth or Studies of Tithe-Giving, Ancientand Modern (2 vols.; Grand Rapids: Baker, 1955), 1:40-41; Arthur Babbs, The Law of the Tithe as Set Forth in the Old Testament (New York: Revell, 1912), 25.

  13. Ver Mathews (Genesis 1-11.26, 269 n. 267), que denomina a tradução da LXX como "retrabalho imaginativo". Ver também Ephraim A. Speiser, Genesis (2nd ed.; AB 1; Garden City, NY: Doubleday, 1978), 32. Muitos dos comentaristas não considerar a tradução da LXX de maneira séria; ver Victor P. Hamilton, The Book of Genesis: Chapters 1-17 (NICOT; Grand Rapids: Erdmans, 1995), 225; Gordon J. Wehnam, Genesis 1-15 (WBC 1; Waco, TX: Word, 1987), 96-106; e Claus Westermann, Genesis (trad. J. Scullion; CC; Minneapolis: Augsburg, 1984), 299-301.

  14. Mark A. Snoeberger, "The Pre-Mosaic Tithe: Issues and Implications", Detroit Baptist Seminary Journal 5 (2000):76.

  15. Nota 13

  16. Nota 14

  17. Nota 15

  18. Nota 16

  19. Nota 17

  20. Nota 18

  21. Nota 19

  22. Nota 20

  23. F. F. Bruce, A Epistola aos Hebreus].

  24. Nota 22

  25. Nota 23

  26. Nota 24

  27. Nota 25

  28. Nota 26

  29. Nota 27

  30. Nota 28

  31. Nota 29

  32. Nota 30

  33. Nota 31

  34. Nota 32

  35. Nota 33

  36. Nota 34

  37. Nota 35

  38. Nota 36

  39. Nota 37

  40. Nota 38

  41. Nota 39

  42. Nota 40

  43. Nota 41

  44. Nota 42

  45. Nota 43

  46. Nota 44

  47. Nota 45

  48. Nota 46

  49. Nota 47

  50. Nota 48

  51. Nota 49

  52. Nota 50

  53. Nota 51

  54. Nota 52

  55. Nota 53

  56. Nota 54

  57. Nota 55

  58. Ver Jacob Milgrom, Numbers (JPS Torah Commentary; Philadelphia: Jewish Publication Society, 1990), 433; idem, Cult and Conscience, 55-56

  59. Tal pensamento não se restringe ao passado distante. Ver Vedanayakam S. Azariah (Christian Givging [New York: American Book-Stratford Press, 1955], 90-91), que sugere que os cristão dizimavam coisas como ovos, arroz, trigo, búfalos, vacas e assim por diante.

  60. Craig L. Blomberg, Neither Poverty nor Riches: A Biblical Theology of Possessions (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1999), 80. Cita Edward A. Powell and Rousas J. Rushdoony (Tithing and Dominion [Vallecito, CA: Ross House, 1979], 11), que afirma que todos aqueles que sustentam que o dízimo não mais é obrigatório estão forçando alguma forma de dispensacionalismo que, de todas as formas, ''violentam o sentido e a unidade das Escrituras.''

  61. Contra Eugene H. Merril (Deuteronomy [NAC; Nashville: Broadman & Holman, 1994], 240-41), descreve o dízimo festivo como um dízimo fundacional, os dízimos do pobre e levítico como sendo sinônimos e substitutivos do dízimo festivo a cada três anos. Embora While Peter C. Craigie (The Book of Deuteronomy [NICOT; Grand Rapids: Eerdmans, 1976], 233) não esteja inteiramente claro em seu ponto de vista, ele decididamente contrasta este dízimo festivo com o outro mencionado em Núm. 18 e Lev 27. A análise de Kaufmann (Religion of Israel, 189) dos dízimos da Lei revela que haviam três leis distintas para o dízimo: Lev 27, Núm 18, e Deut 14. Contudo, devido à sua visão redacional a respeito do Pentatêuco, Kaufmann crê que nenhum destes dízimos eram observados simultaneamente; eles teriam sido escritos em tempos diferentes para diferentes grupos (ver ibid., 190-91). Portanto, de acordo com Kaufmann, Lev 27 teria sido a lei original do dízimo, porém tornou-se incompreensível para as gerações posteriores. Daí seguiu-se o dízimo de Núm 18, e finalmente o de Deut 14 (ver ibid, 189-93). Por semelhante modo, Milgrom (Numbers, 435) percebe um processo evolutivo no sistema dizimista de Israel: "Desta forma o código Pentatêuco afirma que o beneficiário do dízimo sofreu duas mudanças - do santuário para o levita, e dete para o proprietário". Tanto Kaufmann quanto Milgrom foram incapazes de reunir as três passagens em uma única ideia coerente de dízimo. Ao passo que muitos deles voltam-se para teorias de JEDP, nós vemos uma solução melhor em adotar que sejam múltiplos dízimos. Pieter A. Verhoef (The Books of Haggai and Malachi [NICOT; Grand Rapids: Eerdmaans, 1987], 305) observa que "teólogos conservadores são inclinados a apoiar a interpretação tradicional judaica que aceita dois diferentes tipos de dízimo".

  62. Roland de Vaux, Ancient Israel: Its Life and Institutions (trad. John McHugh; New York: McGraw-Hill, 1961), 1:214.

  63. MacArthur, God's Paln for Giving, 76

  64. Ver de Vaux, Ancient Israel, 2:405; Murray, Beyond Tithing, 76. Contra Craigie, Deuteronomy, 233-34.

  65. Nota 63

  66. Nota 64